segunda-feira, 27 de julho de 2009

Cartão vermelho

Hoje escorreguei e bati com o braço numa porta de tal maneira, que a dor me fez cair. Fiquei de joelhos, rendida a dor. Agarrada à ferida aberta que pouco sangrou, mas que se tornará numa estranha cicatriz, como se um pequeno animal selvagem me tivesse arranhado.
Fiquei com as lágrimas a quererem aparecer, incrédula com o tamanho da dor. Sentada a beira da escada analisei o meu percurso. Andei o dia todo longe de mim. Pela manhã ao atravessar a rua, a pensar não sei no quê quase que era atropelada.
Passei o resto do dia a pensar nos ses. E se eu tivesse mesmo sido atropelada o que seria de mim, quem me seguraria, quem me trataria, quem limparia as lágrimas. Provavelmente eu mesma. Não por faltar quem o fizesse, mas porque seria assim.
Depois comecei a pensar e se em vez de um simples acidente eu desaparece-se assim, num minuto. Deixasse este mundo, que seria de mim?. Bem de mim não sei mesmo, mas o que seria dos meus, daqueles a quem faço falta, daqueles que me têm como deles, daqueles a quem toquei. Pensei em ti, no meio de tanta gente pensei em ti, e comecei a chorar porque lembrei-me que já não poderia ter-te no meu colo e os teus cabelos acariciar. No fundo pensei em mim na falta que me farias.

Há dias que mais vale nem falar.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Viaja-me


Eu viajante, que sacudo dos pés a poeira que trago de outras terras, de outros tempos.
Eu que a teu lado estive numa praia, num dia de sol em Copacabana. Eu uma estranha a quem deste a mão e travaste o meu corpo num tango em Buenos Aires. Eu que atravessei o Champ Elysees, para sentir o teu perfume ao ver-te passar do outro lado.
Que de uma gôndola te disse adeus, por entre as ruas aguadas de Veneza. Eu que te atirei um beijo por entre as cerejeiras em flor num Japão distante.
Eu que roubei a palhinha do teu coco, em plena Riviera Maya. Eu que senti o sol crepitante a uns metros das pirâmides. Eu que nadei a teu lado nos lagos gelados da Patagónia. Em Campos de Jordão te atirei neve. E me vesti de flores em plena noite de lua cheia numa praia no Hawai.
Eu que desci sem fé o kilimanjaro, eu que olhei para ti do cimo do Burj Al Rab. Caí de uma cascata numa verdejante Nova Zelândia. Eu que lancei um boomerang para lá da Uluru.
Que de joelhos no deserto Sahara ouvi o silêncio da vida. Em Las Vegas, inebriada por com um copo de rum com gelo, casei contigo dentro de um Cadillac azul navy.
Que contigo rezei num ashram, cada um ao seu Deus. Que saboreei o chá de menta numa tenda perdida a sul de Hammamet.
Tu que partilhaste um charuto, numa Havana vestida de nova durante a noite. Eu que te deixei ver massajarem-me o corpo, num quartinho de uma Tailândia perfeita.
Eu que te pisquei o olho numa das ruas vermelhas de Amesterdão. Tomei o nosso café encostada a uma esquina na Quinta Avenida.
Aconcheguei–te em peles numa cama de gelo, na Islândia. Que te dei a provar o manjar dos deuses em Koh Samui.
Eu viajante, que sacudo dos pés a poeira que trago de outras terras, de outros tempos. Eu que me rendo aos teus encantos, vida após vida, alma após alma. Declaro que foste a mais curta viagem, mas a mais bela delas todas.

Eu que dos teus lábios atravessei o teu queixo, para te beijar o pescoço, eu que escorreguei para te sussurrar ao ouvido, eu que percorri com fome o teu peito e deslizei pelo teu corpo. Que dos teus olhos perdi-me, que das tuas mãos quis que me deixasses marcas de passagem como num mapa.

Eu que descobri caminhos em ti suspiro e digo que foste a mais curta viagem, mas a mais bela delas todas.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Melodia

Há algo na tua voz, há algo que me sossega, que me segura, que me diz que não és ilusão.
Há algo na tua voz que me dá alento, que afasta o medo, a solidão, a dor.
A tua voz que é tua, que faz de ti um poema.
Sim és um poema, com traços de canela, com sabor a pimenta e suave como chocolate.
A tua voz faz de ti, alimento para a minha alma, que não consegue levantar as asas.
Quando a oiço, fecho os olhos e respiro fundo como se pudesse suster no ar, o som da tua voz. Rodopio sobre mim mesma, como se uma brisa me fizesse girar, o ar transforma-se numa leve cama de pétalas, o som os lençóis de seda.
A tua voz transforma-se em ti, envolve-me, abraça-me e marca-me. Despe-me, fico nua, fico eu.

O meu coração gosta da tua voz, a minha alma precisa da tua voz, o meu corpo ama a tua voz.